O fim aproxima-se: a viagem de Ílhavo para o Porto

Adriana Rego

Para nós, hoje, o dia amanheceu em Ílhavo. Juntamente com os restantes veleiros zarpámos rumo à cidade Invicta. Pela primeira vez içámos as velas e presenciámos uma despedida acalorada dos habitantes de Ílhavo, que nos esperavam na saída da Barra de Aveiro. A viagem decorreu de forma calma, sem percalços e contou com a visita de várias aves marinhas.

Para além das aves e mamíferos marinhos, já muitas vezes referidos ao longo da viagem, existem vários outros organismos de grande importância para a manutenção do ecossistema oceânico saudável. Uma grande fatia corresponde precisamente aos microorganismos, frequentemente desvalorizados. Atualmente, estes são alvo de estudo na pesquisa de novos compostos que possam ser utilizados na indústria farmacêutica, como é o caso de compostos com atividade antimicrobiana e anticancerígena. Como tal, ao longo do percurso da caravela procedi à recolha de amostras de água para isolamento de microrganismos e para caracterização das condições ambientais (como teores de pH e salinidade). As amostras de água foram filtradas, de modo a que os microorganismos ficassem retidos no filtro e adicionada uma solução preservante para a dissolução dos microorganismos para a solução (para inocular umas gotas desta solução em placas de meios de cultura) e para armazenar as amostras para uma análise posterior no laboratório.

Quanto à experiência de viver em alto mar e partilhar estes dias com 21 pessoas que até há bem pouco tempo eram desconhecidas para mim, só posso dizer que estou extremamente agradecida por todos os bons momentos que me proporcionaram e à oportunidade única de poder partilhar com eles, entre outras coisas, o nascer e pôr-do-sol visto no mar e o avistar dos golfinhos.

Inoculação de bactérias em meio de cultura

André Silva        

Este cruzeiro científico com oito investigadores, dois jornalistas e a restante tripulação da APORVELA tem sido uma experiência fantástica e que ficará para sempre marcada. Esta viagem permitiu-me perceber, mais uma vez, que é no mar que quero trabalhar, é perto do mar que quero estar.

Como marinheiro aprendi imenso, pois esta viagem foi rica em ensinamentos e histórias dos mais experientes. Em relação à parte científica, a quantificação de dióxido de carbono foi um desafio, pois foi necessário encontrar soluções para que a recolha de dados fosse realizada com sucesso. Outra grande descoberta que fiz nesta viagem foi que quero participar ativamente na comunicação em ciência e assim conseguir despertar curiosidade em todas as idades, principalmente nos mais novos. Com sucesso, consegui mostrar que para além de algas existem também ervas marinhas e que estas são de extrema importância e por isso precisam que nos dediquemos à sua conservação. A sensibilização para a proteção das ervas marinhas é necessária e de extrema importância. Estas são as únicas plantas superiores capazes de sobreviver completamente submersas e fornecem diversos serviços para os sistemas costeiros, como a proteção de zonas costeiras e capacidade de melhorar a qualidade da água. Estas plantas são também utilizadas como maternidades para os juvenis de muitas espécies de organismos marinhos, de grande importância comercial. Na discussão das alterações climáticas, ecossistemas costeiros como as ervas marinhas são cada vez mais importantes, pois têm a capacidade de capturar o dióxido de carbono, reduzindo assim a sua concentração no oceano e por sua vez na atmosfera. Assim, estas plantas revelam uma grande importância não só para o Homem mas também para todo o ecossistema, reforçando a necessidade de mais estudos de cariz científico e mais importante ainda a conservação eficaz destas pradarias.

 

Explicação da importância das ervas marinhas

 

Caroline Ferreira

Como é possível descrever estes 8 dias de viagem na caravela Vera Cruz? Nem sei como responder a esta pergunta, foram inúmeros os sentimentos. Muita felicidade, animação, camaradagem, aprendizagem… Entre outros sentimentos que dariam páginas de texto. Formou-se uma verdadeira família, ‘A Família Vera Cruz’, em que acordar às 2 ou às 5 da manhã era  fácil, porque estaríamos com pessoas fantásticas e faríamos algo gratificante. Todos os dias foram diferentes e muito intensos, e de muitas descobertas. Com toda a certeza do mundo são pessoas que irei levar para a vida. Esta foi uma experiência inesquecível que marcou a minha vida, e pretendo voltar a repetir esta experiência na caravela Vera Cruz.

Um dos pontos mais altos da minha viagem foi o meu dia de anos com uma comemoração completamente diferente de todos os outros. Começou com um nascer do sol lindíssimo, seguido de muitos mimos ao longo do dia. À noite tive direito a um jantar fabuloso preparado pelo Sr. Ribeiro, com um bolo e uma prenda feita pela “Família Vera Cruz”. Um dia muito emocional que acabou em grande com um magnífico fogo-de-artifício, de comemoração dos 50 anos da ponte 25 de Abril. Agradeço a toda à tripulação (jovens cientistas, APORVELA, Ciência Viva e jornalistas da TVI), do fundo do meu coração, por um dia memorável e que com toda a certeza do mundo nunca será esquecido.

Durante a viagem, as minhas experiências consistiram na aquisição de dados de temperatura e salinidade, em profundidade, em diferentes locais da viagem. Estas correram muito bem, tendo sido adquiridos bons dados, que posteriormente serão analisados com maior rigor em laboratório. Este género de experiências são utilizadas na validação de modelos numéricos que nos permitem fazer cenários futuros das correntes oceânicas, por exemplo, observando a variação da sua velocidade e suas componentes (como salinidade e temperatura). Para além disto é possível prever como poderá ser o efeito das alterações climáticas no oceano e linha costeira, sendo de grande importância para a sociedade, uma vez que poderão ser adotadas medidas de prevenção de forma precoce.

Aquisição de dados de temperatura e salinidade

Irina Duarte

Oito dias foi o tempo preciso para percorrer a costa portuguesa, a bordo da caravela Vera Cruz. Foi também o tempo que tivemos para viver esta aventura incrível. É difícil descrever o quão libertador é viver no mar, onde o necessário passa a ser o nascer do sol, com duas horas de sono no beliche ou no convés. Acordar torna-se fácil quando temos à nossa disposição esta paisagem no alto desta incrível caravela, ou quando qualquer tarefa está por fazer. A camaradagem fora de série entre todos nós, jovens cientistas, tripulação da APORVELA e jornalistas da TVI, tornou esta semana inesquecível. Enfim, ninguém quer chegar ao fim desta história!

No que toca à componente científica, foi possível demonstrar os procedimentos iniciais necessários à análise de biomarcadores (como por exemplo a atividade de enzimas que metabolizam os compostos tóxicos), que nos permitem compreender quais as respostas dos organismos aos poluentes. Os estuários são zonas altamente produtivas e com um papel muito importante no desenvolvimento dos juvenis de inúmeras espécies, proporcionando abrigo e alimento; no entanto também são muito impactados pelas atividades humanas. Ao longo da viagem passámos por quatro importantes estuários da nossa costa: o Sado, Tejo, Ria de Aveiro e Mondego; que nos permitiu explorar as problemáticas da poluição e impactos das várias atividades humanas nos diferentes estuários.

Dissecação de uma Boga

José Queirós

Oito dias de viagem que souberam a pouco. O mar é sem dúvida alguma um sítio único e muito especial. Todas as pessoas com quem partilhei experiência ao longo dos últimos dias são incríveis, o pessoal da APORVELA é fantástico, bastante acolhedor e fazem-nos sentir em casa e membros da equipa desde o primeiro minuto. A equipa de reportagem da TVI fez um trabalho espetacular ajudando sempre e pondo sempre à vontade, duas pessoas que deu um prazer enorme conhecer. Os cientistas a bordo foram impecáveis, pessoas espetaculares e não duvide que terão um futuro promissor. Nunca esquecendo o nosso caro Alexandre, da Ciência Viva,, que nos apoiou desde o início revelando um espírito incrível e uma paciência interminável. Levo desta viagem uma vontade imensa de voltar ao mar e de lá poder trabalhar, porque estar no mar…não há palavras que descrevam a sensação, e claro, levo amigos!

A nível da ciência, consegui recolher várias amostras, fazendo vários arrastos que permitem assim perceber como variam os microplásticos ao longo da nossa costa. Uma primeira análise mostra que há microplásticos no nosso oceano. As amostras irão ser analisadas à lupa, no laboratório, para perceber a origem e a quantidade. Ao nível dos macroplásticos, felizmente houve poucas observações. Uma análise inicial revela que a quantidade dos macroplásticos aumenta com a proximidade ao porto. Obtemos assim uma perspetiva não muito animadora do nível de poluição por plásticos na nossa costa, mostrando que temos de adoptar outra atitude e começar a reduzir a quantidade de plástico que usamos diariamente.

O percurso ao longo da costa permitiu também observar várias espécies de aves marinhas bem como mamíferos marinhos. No caso das aves, a variedade foi maior, observando-se diversas espécies de gaivotas e pardelas, gansos patola, entre outras mais raras. Infelizmente, a nível de mamíferos marinhos apenas vimos uma espécie de golfinho, neste caso o golfinho comum. No mar temos uma perspetiva diferente das aves marinhas, principalmente no que diz respeito à sua alimentação, podendo observar uns belos mergulhos a pique. Estas aves não se encontravam perto dos plásticos observados, à exceção de um saco plástico rodeado por quatro gaivotas, o que não significa que as aves não estejam a ser largamente prejudicadas pela poluição, poderá ter sido apenas um acaso não termos avistado nenhum encontro em mar, pois nos rios vimos gaivotas a alimentarem-se de plástico. As aves marinhas são muito importantes ecologicamente e, atualmente, importantes economicamente, pelo que temos vários motivos para as proteger, tendo todos a obrigação de o fazer para um ecossistema mais equilibrado.

Amostragem de microplásticos

 

Observação e identificação de espécies de aves

José Silva

Esta semana a bordo da caravela Vera Cruz ficará para sempre na minha  memória com todas as experiências e convivências, tanto com os meus colegas investigadores como com toda a equipa da APORVELA e da Ciência Viva.

O mar alto proporciona um palco de excelência para qualquer entusiasta em Astronomia, com o céu completamente polvilhado de estrelas. Montando equipamentos muito simples e rudimentares, como um relógio de sol, foi possível medir a hora com um erro menor que um minuto em relação aos ponteiros dos nossos relógios. Todavia considero que o meu papel  passou por várias visitas guiadas ao céu para toda a tripulação, partilhando alguns conhecimentos gerais em Astronomia e Astrofísica e satisfazendo a curiosidade de todos.

Do ponto de vista científico foi bastante revelador das dificuldades que os marinheiros antigos enfrentavam ao medir as posições dos astros e do Sol com a oscilação constante da embarcação, medindo tudo com bastante precisão. Na minha perspetiva pessoal, considero que este projeto teve sucesso e é algo a repetir, para que a ciência chegue a cada vez mais pessoas, bem como o nosso legado enquanto marinheiros e exploradores. Agradeço mais uma vez à Ciência Viva por me proporcionar esta aventura única de investigação e comunicação em ciência.

Visita guiada ao céu

 

Animação musical a bordo

 

Miguel Inácio

Um cruzeiro científico com oito investigadores a bordo foi, sem dúvida, uma excelente oportunidade para explorar a interdisciplinaridade que a ciência deve ter. Esta interdisciplinaridade começou pelos procedimentos de colheita de amostras, em que a Adriana e eu medimos parâmetros físico-químicos da água que recolhemos.

O meu principal objetivo era recolher amostras de água em profundidade para filtrar nanoplâncton calcário, sendo que a segunda parte do processo nem sempre foi fácil de realizar em alto mar – trabalho realizado com indicações da Raquel que foi mapeando o fundo do mar com um sonar duplo feixe de varrimento lateral. O próximo passo será a observação no laboratório de modo a poder caracterizar o ambiente onde as amostras foram recolhidas e, quem sabe, conseguir compará-las com paleoambientes locais – será particularmente interessante comparar as variações em densidade e diversidade entre o oceano e o estuário do Tejo.

Outro ponto positivo foi o construtivo debate que fizemos sobre alterações climáticas. Cada investigador mostrou o seu ponto e vista sobre este tema e houve um ponto de concordância: o clima está a mudar. Assim, a discussão centrou-se no impacto que a atividade antrópica tem nesta alteração – entre visões mais ou menos catastróficas, o interesse foi compreender os argumentos de cada um.

A juntar a este conjunto de experiências científicas que, apesar de enriquecedoras não foram novas, juntou-se a experiência de fazer parte da tripulação da Caravela Vera Cruz, de acordar às duas da manhã para estar ao leme durante três horas… e até a oportunidade de aprender a fazer nós de marinheiro.

Colheita de amostras de água para analise de parâmetros físico-químicos

Raquel Ribeiro

Esta viagem na caravela Vera Cruz foi uma experiência super enriquecedora a nível pessoal e de treino de mar. Aprender a fazer os diferentes nós, saber manobrar o leme e trabalhar por Quartos (turnos) foram alguns dos diferentes desafios que esta oportunidade proporcionou! E foi sem dúvida um gosto conhecer esta família da APORVELA e da Ciência Viva que nos apoiou em tudo o que estava ao seu alcance.

Ter a oportunidade de manobrar uma sonda acústica a bordo, a interação com os meus colegas marinheiros e todos aqueles que puderam visitar a caravela nos festivais de ciência foi algo extremamente especial e único.

Cantinho da geologia e geofísica marinha aquando da receção das visitas à caravela. Destaque para o “display” que transmitia as imagens adquiridas pelo transdutor, instalado a bombordo.

Nem sempre as condições de aquisição do sonar eram as ideais e por isso só em certos períodos da viagem é que este foi em funcionamento. A chegada ao porto de Ílhavo foi uma das melhores oportunidades de observar formas de fundo com os dois feixes laterais do sonar (sonar de varrimento lateral), em particular “ripple marks” (ondas de sedimentos tais como observamos na praia à beira mar). O sonar de duplo feixe permitiu-nos observar a que profundidade estava o fundo marinho e detetar os diversos cardumes que passavam. Os que são detetados pelo feixe de maior frequência (200 kHz) são representados pela cor laranja, e os que são representados pela cor azul foram detetados pelo feixe de menor frequência (83 kHz). A combinação destas funcionalidades do sonar (levantamentos batimétricos e “fotografias acústicas” do fundo marinho) são extremamente importantes na monitorização de portos náuticos (em especial devido à frequente necessidade de dragagens), zonas costeiras e marinhas e também na arqueologia náutica.

 

Sonar de duplo feixe, onde é possível medir a profundidade do fundo marinho e detetar cardumes de peixes.À direita: “Ripple marks” (ondas de sedimentos, tais como as que observamos no areal) observadas na entrada da barra de Aveiro – sonar de varrimento lateral.
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